Foca

A CHAMA DA REFORMA

João Calvino é considerado o maior teólogo da Reforma Protestante do século XVI. Conheça a doutrina baseada nos seus pensamentos e como ela chegou ao Brasil

Escrito por Univap

06 DEZ 2023 - 19H38 (Atualizada em 19 DEZ 2023 - 17H40)

Por Tiago Ribeiro de Paula

A partir do século XV, diversas mudanças atingiram a sociedade europeia. A principal delas foi o fim do período conhecido como Idade Média, marcado pelo predomínio da fé católica na cultura e nas ideias da Europa.

Um dos eventos que marcaram o fim deste período foi a Reforma Protestante, movimento que surgiu para questionar certos dogmas e ensinamentos sem fundamento bíblico da Igreja Católica.

Uma das correntes teológicas mais impactantes que surgiram do movimento da Reforma foi o Calvinismo, criada a partir das ideias de João Calvino. Sua principal obra, As Institutas, foi utilizada para o sistema de doutrinas adotado por muitas igrejas que surgiram.

No Brasil, o Calvinismo surgiu ainda no século XVI, durante a tentativa da colonização francesa no país. Mas foi somente a partir do século XIX, por meio da imigração europeia e da atuação missionária, que o Calvinismo se instalou de vez no Brasil.

A Reforma Protestante

Durante a Idade Média, a Igreja Católica Romana dominava, em todos os aspectos, a vida na Europa Ocidental. Porém, estava longe de ser fiel aos princípios religiosos cristãos.

De acordo com o Reverendo Vitor Paulo Oliveira, pastor da 2ª Igreja Presbiteriana Conservadora de São Paulo, a Igreja Cristã da época foi se degradando e se distanciando dos ensinamentos originais dos apóstolos e de Jesus Cristo.

“Era uma igreja imoral, corrompida e com um sistema mais político do que religioso”, conta.

Durante os séculos seguintes, teólogos e monges católicos começaram a questionar algumas práticas e doutrinas pregadas pela Igreja de Roma, como o inglês John Wycliffe, que fora condenado e tratado como herege, e o tcheco Jan Hus, que foi condenado à morte pela fogueira.

Ambos, assim como outros que se levantaram para desafiar o papado, foram silenciados.

Mas a partir do início do século XVI, o monge e teólogo alemão Martinho Lutero (1483 - 1546) começou a observar esses detalhes de degradação da Igreja e percebeu que o ensino bíblico contrariava aquilo que o papado dizia, como explica o Reverendo Vitor.

“Ele (Lutero) via com maus olhos as atitudes que a Igreja de Roma estava tendo; silenciar as pessoas, não aceitar o contraditório e também a corrupção, principalmente com a venda das indulgências.”

As indulgências eram os perdões por todos os pecados de um indivíduo. A Igreja inclusive pregava que, através das indulgências papais, as pessoas que já estavam mortas poderiam ser perdoadas e salvas.

Durante este período, o objetivo da Igreja com a venda das indulgências era arrecadar dinheiro para a construção da Basílica de São Pedro, localizada atualmente na Cidade do Vaticano.

Foi então que, no dia 31 de outubro de 1517, na cidade de Wittenberg, na Alemanha. Lutero fixou na porta do castelo da cidade 95 teses que ele havia elaborado, com o intuito de discutir a prática da venda de indulgências com as autoridades católicas.

“As 95 teses questionavam o poder do papa em perdoar pecados e negavam que o perdão pudesse ser estendido para quem já estivesse morto, além de abordar uma série de outras coisas que já incomodavam o coração de Lutero”, aponta o Reverendo Welerson Duarte, pastor e diretor do Seminário Presbiteriano Conservador, em São Bernardo do Campo.

Ele explica que o objetivo de Lutero não era criar uma nova Igreja, mas sim reformá-la.

“A Reforma Protestante foi um movimento que intencionava, inicialmente, reformar a Igreja, trazê-la de volta a princípios que, ao longo dos séculos, haviam sido abandonados.”

“Porém acabou produzindo uma nova Igreja, que se ramifica em diversas outras Igrejas, mas com os cinco Solas como ponto comum”, completa.

Os Cinco Solas são os pilares da Reforma Protestante. São eles: Sola Scriptura (Somente a Escritura), Sola Gratia (Somente a Graça), Sola Fide (Somente a Fé), Solus Christus (Somente Cristo) e Soli Deo Gloria (A Deus somente a Glória).




O Calvinismo

O ato de Lutero irradiou e a Reforma seguiu por diversos países da Europa, como a Inglaterra, Escócia, Países Baixos, França e Suíça.

“É preciso lembrar que o movimento da Reforma não foi uniforme no seu pensamento. O protestantismo havia estabelecido os cinco Solas como uma ‘espinha dorsal’, mas conforme o movimento foi se desenvolvendo, diversas visões teológicas divergentes surgiram”, explica o Reverendo Vitor Paulo.

A que teve maior impacto foi a teologia Calvinista, inspirada nas ideias do reformador e teólogo francês João Calvino.

“Calvino é considerado o maior teólogo da Reforma Protestante. O que ele produziu durante os seus poucos anos de vida foi mais impactante do que as ideias de Lutero, no que diz respeito ao pensamento teológico. Sua teologia continua sendo influente até hoje”, completa o pastor.




Mas afinal, o que é o Calvinismo?

Segundo o Reverendo Welerson Duarte, a teologia calvinista precisa ser entendida como uma cosmovisão, ou seja, uma forma de ver o mundo.

“Influencia as artes, a educação, a política e todas as áreas da vida. Envolve também todos os pontos da teologia: tanto os que tratam da Igreja (eclesiologia), ou da Salvação (soteriologia), ou do Espírito Santo (pneumatologia).”

Vale ressaltar que Calvino não inventou o calvinismo. O sistema doutrinário recebeu este nome por estar fundamentado nos ensinos dele. “O calvinismo está baseado naquilo que Calvino defendeu como sendo princípio bíblico de doutrina”, explica o pastor.

Historicamente, o calvinismo surgiu no século XVII, durante o Sínodo de Dort, na Holanda.

Nesta época, Calvino já havia morrido, com seu ensino já estabelecido e fundamentando as doutrinas da Igreja Reformada.

Porém, a influência de um outro teólogo neerlandês chamado Jacó Armínio (1560 - 1609), também já falecido na época, causou controvérsias entre os membros da Igreja Holandesa. Os discípulos de Armínio formularam cinco pontos que questionavam o que vinha sendo ensinado pela Igreja.

Posteriormente, estes cinco pontos seriam a base para a doutrina arminiana.

Em resposta, a Igreja organizou o Sínodo de Dort, entre novembro de 1618 e maio de 1919. Durante as reuniões, os teólogos formularam outros cinco pontos, buscando refutar os arminianos. Posteriormente, eles ficaram conhecidos como Os Cinco Pontos do Calvinismo.




“A Igreja reafirmou a teologia que vinha seguindo, e fez isso estabelecendo os cinco pontos do calvinismo. Assim surge, historicamente, o que conhecemos por teologia calvinista.”

“É importante lembrar que a teologia calvinista, ainda que não tivesse este nome, foi ensinada e sistematizada por João Calvino, e já existia muito antes da formulação destes cinco pontos”, completa Reverendo Welerson.

O Calvinismo no Brasil

Os primeiros calvinistas chegaram no Brasil ainda no século XVI, durante o período da França Antártica, a tentativa de colonização francesa no país.

Calvino foi convencido pelo vice-almirante francês Durand de Villegaignon, responsável pelo estabelecimento da França Antártica na Baía de Guanabara, a lhe apoiar em uma vinda ao Brasil. Então, o teólogo francês enviou missionários e líderes religiosos calvinistas ao país.

Pouco tempo depois, Villegaignon passou a perseguir os colonos calvinistas por conta de divergências teológicas relacionadas ao batismo e a consagração da Santa Ceia. Ele abandonou suas convicções reformadas e expulsou os colonos calvinistas da Baía de Guanabara.

“Alguns tentaram voltar para a França, outros fugiram para o interior do país. Os que não conseguiram escapar, acabaram sendo mortos”, conta o pastor Welerson.

Os missionários condenados foram primeiramente presos por Villegaignon, que também exigiu uma resposta para uma série de questionamentos teológicos. Eles responderam ao vice-almirante por meio da redação da Confissão de Fé de Guanabara. Ao se recusarem a negar suas convicções religiosas, Villegaignon os condenou à morte por estrangulamento.

A segunda tentativa de introdução do calvinismo no Brasil foi durante as Invasões Holandesas no litoral do Nordeste, no século XVII.

Quando os holandeses se instalaram nas cidades de Olinda e Recife, durante a segunda fase das Invasões (1630 - 1654), eles promoveram o desenvolvimento daquela região por meio da produção e exportação da cana-de-açúcar.

Durante este período, o calvinismo foi a religião oficial do domínio holandês.

“Maurício de Nassau estimulou o pensamento calvinista no Nordeste brasileiro, enquanto administrava a região”, explica o Reverendo Vitor Paulo.

“Uma Igreja Protestante Calvinista foi criada, com pastores sendo formados a partir das tribos indígenas e de grupos negros da região, que foram catequizados e convertidos ao cristianismo.”

A segunda fase das Invasões Holandesas durou até o ano de 1654, quando ocorreu a Insurreição Pernambucana. Os donos de engenho, buscando retomar o poder da produção de açúcar da região, se aliaram ao Império Português e expulsaram os holandeses do Brasil.

O calvinismo chega de fato ao Brasil durante o século XIX, com o missionário norte-americano Ashbel Green Simonton, membro da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos.

Simonton chegou ao Rio de Janeiro no ano de 1859, e inicialmente trabalhava junto com famílias norte-americanas e inglesas, por não saber falar português.

Poucos meses depois, ele foi o responsável por realizar o primeiro culto protestante em língua portuguesa no Brasil.

“Tudo aquilo que nós conhecemos hoje a respeito de presbiterianismo, tem origem no trabalho de Simonton”, explica o Reverendo Welerson.

O ministério do pastor norte-americano durou apenas 8 anos, por conta de sua morte precoce por febre amarela. Porém, mesmo com um tempo tão curto, Simonton fundou a Igreja Presbiteriana do Brasil, além de um seminário presbiteriano.

“A Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Brotas, no interior de São Paulo, formam o primeiro presbitério brasileiro. São heranças do trabalho excepcional de Simonton”, comenta o pastor Vitor.

O Calvinismo no Brasil Hoje

Durante muito tempo, o calvinismo no Brasil ficou restrito apenas às Igrejas Presbiterianas. A maioria das Igrejas Reformadas brasileiras, como as Pentecostais, e Neopentecostais e muitas Igrejas Batistas adotaram a linha teológica do arminianismo.

Isso fez com que a doutrina calvinista fosse “mal vista” no meio evangélico brasileiro por muito tempo.

Mas a partir dos anos 80, a doutrina calvinista passou a ser melhor difundida no país.

“Algumas editoras começaram a publicar bastante literatura calvinista e a organizar diversas conferências, divulgando as chamadas Doutrinas da Graça, que nada mais é do que os cinco pontos do calvinismo.”

Essa divulgação permitiu que a doutrina calvinista alcançasse as demais Igrejas Evangélicas no país, de modo que muitos calvinistas foram surgindo a partir daí.

“Mais recentemente, em virtude da pandemia, muitas pessoas tiveram contato com a doutrina calvinista, assistindo mensagens de pastores e Igrejas reformadas”, comenta o pastor. “Temos visto um crescimento bastante significativo do calvinismo no Brasil.”

O Reverendo Vitor Paulo também concorda que a internet vem sendo uma grande aliada na disseminação do calvinismo.

“Vários pastores produzem conteúdos para as redes sociais e acabam disseminando o ensino calvinista e fazendo com que as pessoas abandonem a visão superficial que muitos possuem sobre a doutrina calvinista”, comenta o pastor.

“O pensamento calvinista dá uma visão lúcida sobre a realidade, que não encontramos em outros ramos, que acabam se fixando em ritualismos e que não dão uma visão de como lidar de uma forma saudável com a realidade.”

Você pode conferir a entrevista com o Reverendo Welerson Duarte na íntegra no podcast complementar da reportagem “A Chama da Reforma”


Seja o primeiro a comentar

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.

0

Boleto

Reportar erro!

Comunique-nos sobre qualquer erro de digitação, língua portuguesa, ou de uma informação equivocada que você possa ter encontrado nesta página:

Por Univap, em Foca

Obs.: Link e título da página são enviados automaticamente.